terça-feira, 6 de setembro de 2022

O mito da onipresença e a escravização do humano

 Quem já não quis ser Deus? Conquistar um sonho, burlar a morte, a doença, estancar a miséria, refazer caminhos…

Conheci Deus no olhar de meus pais. Na Primeira Comunhão, precisei descrever Deus e nunca esqueci a resposta: Deus é onisciente, tem todo conhecimento, onipotente, Seu poder é ilimitado, é onipresente, está em todos os lugares…
Dia desses, sete da manhã eu participava de programa no rádio e me dei conta do tamanho da minha escravidão, dado o suposto poder que conquistei, de estar em tantos lugares ao mesmo tempo, num tipo de onipresentismo fajuto! Tipo assim: Durante a entrevista pessoas do mundo inteiro interagem conosco ao mesmo tempo; meu marido, de casa, me lembra os medicamentos a comprar na volta do trabalho; eu avisava ao professor de meu filho, que chegaríamos atrasados; o aplicativo do banco informava um pagamento agendado; três pessoas de cidades diferentes me pediam informações pelo Whats… Fora as mensagens dos grupos que brotam sabe Deus de onde!
Antes da pandemia eu já quis desinstalar o WhatsApp, largar as redes sociais, metade dos compromissos assumidos e viver em paz? Infelizmente não o fiz e continuei justificando minha escravidão com uma frase que ouvi não sei aonde: “Se você quer que uma coisa aconteça, peça a quem não tem tempo!” Maldita frase! Maldita mania de me comprometer, me permitir ou coagir a estar presente em até três reuniões virtuais ao mesmo tempo! Pois há quem diga: "Como você não pode participar? É virtual! A tecnologia nos permitiu milagres, trazer para nossos círculos pessoas que ao vivo jamais teríamos! Aproveite o legado da pandemia!"
Estou exausta do legado da pandemia, não parei para a pandemia passar! Me inquieta ter o corpo num canto e a mente multiplicada em tantos lugares ao mesmo tempo, tumultuada e inquieta, querendo compreender esse tempo e me dar um tempo de tanta gente/fantasma em minha vida, sempre apressada, ignorando se estou comendo, amando, na rede ou no trono! Se é noite ou domingo...
Essa onipresença humana é um mito perverso, acentuou nossa escravidão e nos faz sentir culpa por não sermos gratos pelo suposto poder recebido, poder que precarizou nosso sentir e tirou até nosso tempo de cismar!


Créditos da imagem: 
https://pt.dreamstime.com/illustration/onipresen%C3%A7a.html 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Pão pelo Avesso




Para criar filhos em condições financeiras precárias é preciso muita criatividade! Fazê-los sentir-se importantes, amados e acolhidos mesmo sem ter o que o vizinho, o colega da escola, o que dita a moda tem. Carece sabedoria e planejamento...

Eu sempre digo que nossa família não passou maiores necessidades por que tivemos pais muitos criativos!
Hoje deu saudade de comer pão novo, da padaria da esquina e comprei minha sacolinha. Na hora de comer, não deu outra: Lembrei do meu pai, Seu Beijinha, que além de ser criativo, sempre nos preparava para as adversidades. Lembrei-me de sua receita de Pão pelo Avesso.
Vocês já comeram pão pelo avesso?
Houve uma época em que meu pai começou a comer o pão abrindo-o de cima a baixo com as mãos e depois enrolando-o pelo avesso. Comia com tanto gosto essa iguaria, que a gente foi vendo, começando a imitar e a gostar. Mesmo tendo à mesa manteiga ou margarina, uma fatia de kitute ou ovo, o pão pelo avesso era sucesso! Quando chegou o tempo de escassez, quando só tinha mesmo pão com café, a gente nem percebeu. Continuamos comendo com gosto nosso pão pelo avesso, por que era o pão preferido do meu pai...
Fica entre tantas lições a de que “Não importa o que tem dentro do pão, importa quem está ao seu lado para comer e dividir esse pão!”
(K. Leite, em noite de muita saudade)

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Sobre o decreto 10.502, de 30 de setembro de 2020

Desde o dia 01/10 tenho manifestado meu incômodo com o decreto 10.502, de 30 de setembro de 2020. Fiz postagens pessoais, ajudei a construir documentos em repúdio ou desagrado junto com os colegas do Grupo de Pesquisa que faço parte, documentos de concordância parcial da instituição que representa as APAEs, pois trabalho em uma APAE cedida pela SEC Estadual e, de outros grupos que faço parte.
Nos meus apontamentos sempre expus as fragilidades e retrocessos na lei e ao final, em cada documento não prevaleceu somente a minha opinião pessoal e sim a de um coletivo, como é comum nas democracias. Não vou repetir aqui partes do decreto, leiam e tirem suas conclusões. São vários os pontos questionáveis que antes se concentravam na palavra “preferencialmente” presente no texto anterior, além do questionamento do sobre quem opinou sobre tal escrita, quem foi consultado.
Se eu pudesse resumir esse decreto com um adjetivo eu o diria DESNECESSÁRIO, um tempo enorme perdido e dinheiro envolvido em honorários para nada! As poucas conquistas constantes em documentos anteriores sequer foram implementadas em nossas escolas. Mais uma vez nos vemos envoltos em polêmicas para garantir o que de fato nunca existiu e que não precisava ser legitimado enquanto política de Estado. É lamentável a permissão dada pelo decreto para não incluir ou incluir por conveniência, desresponsabilizar e sabotar uma aprendizagem em direitos humanos que estava em curso por parte de gestores e educadores país a fora.
Quanto a mim, Katia Leite, mãe atípica por vários motivos, professora da Educação Especial desde 1993, pesquisadora na área, integrante de Associações nacionais e internacionais que apoiam e com suas pesquisas subsidiam a inclusão social das pessoas com deficiência, tenho minha opinião baseada em vivências, na minha história pessoal e coletiva, nas lutas por direitos do meu filho e dfidoslhos de tantas mães, em 27 anos de militância na causa e outros tantos anos e afetos relacionados às pessoas com deficiência em minha vida.
Meu primeiro contato com pessoas com deficiência se deu na Escola Paroquial de Jacobina, onde existia classe especial. Eu tinha então 07 anos e minha vontade de fazer xixi era sempre no horário do recreio da sala dos doidinhos... Eu amava aquela sala colorida! Mas encontrávamos poucas vezes os seus usuários. Eles eram poucos, eram recolhidos pela professora na entrada da escola, não participavam das filas diárias para cantar o hino nacional e rezar. Eles lanchavam na sala, o recreio era depois do nosso e saiam antes de nós. Era raro nos vermos e por isso tão desejado!
Eu tinha também dois vizinhos com microcefalia grave, (hoje eu sei que era microcefalia) um rapaz e uma menina. Eram conhecidos no bairro como os meninos macacos. Várias vezes os vi amarrados no quintal da casa onde moravam. Eu e outras crianças subíamos no muro para saciar nossa curiosidade... Eu tinha medo e pena, lembro-me dos olhos deles... Eu nunca vou esquecer!
Passados anos, eu me tornei adulta, fiz magistério e concurso público para professora. Fui aprovada e escolhi, aparentemente sem motivo, a vaga para a APAE de Jacobina. Entre outras atividades com movimento, eu amava levar os alunos para passear. Acreditava que todo mundo deveria conhecer aqueles meus novos amores e que a rua tinha muito a ensinar sobre a vida a eles. Certo dia chorei largada depois do trabalho, já em casa, quando pensei na cena que narro: Eu vinha andando e tagarelando com dois alunos em cada mão, estávamos estudando sobre comercio, pegando folhetos das lojas para usar nas aulas de AVD e matemática, quando na minha frente uma mãe desesperada nos olhou com pavor, pegou o filho no colo e correu para longe de nós! Meu aluno ficou com a mãozinha levantada e olhou para mim sem entender a reação daquela mulher, só por que ele tentou cumprimentar seu filho, como eu e minhas colegas os ensinavam a fazer. Eu sorri para ele e ambos erguemos os ombros. Seguimos...
Eu passei 03 anos afastada da APAE. Pedi licença sem vencimento, depois remoção. Na época eu fazia Especialização em Educação Especial e uma das minhas professoras, famosa por sinal, falou que “Queria que a minha APAE caísse de podre!”. Eu convulsionei! Me senti ilegítima na APAE e deslocada. Fui então tentar enxergar a escola APAE de fora! Experimentei escolas públicas e particulares. Fiz como quem quer ver a ilha! Isso durou três anos e apesar dos colegas maravilhosos, eu não gostei do que vi lá fora. Voltei para a APAE cheia de ideias! Eu sempre estive em ebulição e um ano nunca foi igual ao outro!
No retorno à APAE eu conheci aquele que seria meu filho. Ele era levado pelo pessoal da Instalação do Menor para fazer terapias. Foi lá que eu gestei aquela criança no meu coração e logo que eu e meu marido decidimos parir, o primeiro passo foi colocá-lo na escola. Escola comum, pois na APAE ele teria as terapias antes mesmo de ser meu filho e o Apoio Pedagógico necessário por conta da deficiência intelectual e comprometimento da fala e motricidade. Nós não víamos um motivo para nosso filho ter seus estudos reduzidos à APAE.
Nosso filho passou exatamente por cinco escolas, antes de chegar ao ensino Médio, na atual escola, hoje em trabalho remoto precário por conta da pandemia. Minha maior decepção ocorreu em uma das escolas particulares! Nas escolas públicas alguma queixas giravam em torno da insegurança do lugar. Escola sem porteiro não é escola inclusiva e esse foi o motivo pelo qual eu desistia de algumas escolas. A gente que é mãe de filho com deficiência, eu e algumas, não sei se todas as mães, chegamos na escola com cara de pedintes, sempre tentado convencer os profissionais da escola que nosso filho não vai dar trabalho: Ele só não sabe ler, escrever, contar números e a passagem do tempo, mas é muito simpático, educado. Só faltava dizer que ele era limpo, cheiroso e que eu não ia chatear ninguém por lá, que deixassem ele crescer com as outras crianças que essa relação seria saudável para todos e não só para ele. É uma relação desgastante, mas precisamos perseverar, mesmo que algumas pessoas importantes nos abandonem pelo caminho!
Todas as vezes que eu cai, todas as vezes que eu desisti, me recolhi das lutas, fiquei exausta de cansaço como mãe, a APAE estava lá: como AEE ou como Escola para garantir que a distorção idade/série do meu filho não fosse tão discrepante. Nesses 15 anos foram 3 quedas, eu desistia da escola comum e deixava meu filho só na APAE, assim eu descansava e reunia forças e argumentos para uma nova retomada que muitas vezes partia de Lucas. Da vez que eu descobri que a escola não tinha porteiro e cancelei a matricula, ele passou um ano e meio na APAE. Certo dia, íamos nós no carro e ele começou a se agitar e apontar na direção de uma escola. Eu estacionei e pedi para ele falar. Quando ele fica nervoso a fala complica! Então ele respirou e disse: Olha mãe, aquela escola tem porteiro! Então voltamos à luta! Nessa escola além de porteiro tinha uma diretora que gostava de me ouvir. Convidava para as Jornadas Pedagógicas, para as reuniões de Atividades Complementares dos professores. A relação foi ficando diferente, houve mais colaboração entre a escola, a família e a APAE com o AEE. Nunca foi perfeito, as trocas de professores eram constantes e vez por outra Lucas chegava em casa e dizia: “Mãe tem professora nova! Vai dizer a ela como eu sou, ela perguntou se eu sou surdo.” Isso denotava a falta de comunicação e do planejamento individualizado sistematizado dentro da escola. Mas isso é o de menos! É das coisas que depois fazem a gente sorrir e não desistir! Coisas assim me fizeram perceber que o meu filho compreendia a limitação das pessoas e seus desejos em relação a estar na escola comum!
A APAE de Jacobina foi muito responsável por essa formação da autonomia e autoimagem de meu filho, responsável também pela formação de muitos professores para a inclusão. E, voltando para o decreto, eu não acredito que aceite retrocessos depois de tudo que já foi conquistado nesse sentido. A Federação das APAE da Bahia tem convenio de Cooperação Técnica com o Governo do Estado para Atendimento Educacional Especializado embora as APAE possam atuar como Escolas Especializadas, como ocorre em alguns municípios. Há que se engrandecer a postura da Federação quanto ao respeito à autonomia identitaria das instituições e o apoio prestado a cada filiada na condução da escolha frente as Diretrizes Educacionais Nacionais, nos Projetos Pedagógicos.
O Brasil tem milhares de instituições especializadas com várias denominações, há que se respeitar a história de cada uma, as demandas locais e necessidades dos alunos. Muitos alunos estão na escola especial, com a justificativa de que a escola comum não tem nem um mobiliário adequado para acomodar esse aluno. Falta mais investimento em formação, pois professor de creche não teve curso de estimulação precoce nem entende de anatomia corporal atípica. O decreto reduz a esperança de que formação e infraestrutura sejam priorizadas.
Quanto a recursos, eu nunca conheci a Escola* APAE de Jacobina com esse dinheiro que quem o apoia o decreto 10.502, sonha ganhar com mais facilidade. Sempre trabalhamos com doações, sucata que hoje se chama adaptação de baixo custo, professores cedidos pelo Estado, estagiários da UNEB, voluntários... Sempre dependemos da Sociedade Civil e de Convênios nunca muito vantajosos, haja vista que a implantação do AEE em Jacobina pelo Município em 2005, ocorreu com os professores formados pela APAE enquanto serviam por convênio à instituição e foram retirados sem reposição para assumir as Salas Multifuncionais.
Para finalizar, ratifico que me incomoda a ignorância e o desserviço. Me entristece pensar que onde poderíamos estar avançando, retrocedemos à discussões antigas! Espero com toda esperança para o meu e nossos filhos que esse dinheiro que se julga salvar a educação das pessoas com deficiência chegue para instituições sérias, que tenham transparência e compromisso na aplicação e não para os buracos negros da lavagem de dinheiro!

*É bom esclarecer que as APAE atuam nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, cada área tem recursos diferenciados. Nesse texto, estou me referindo especificamente à área de Educação.

sábado, 8 de agosto de 2020

Das dores que a gente permite que nos causem...

Depois de 15 dias meu filho dormiu a primeira noite parcialmente bem, e amanha é dia dos pais. Todo animado ele me acompanhou até a cidade para entrega de uns documentos e na volta para casa o comercio é nosso caminho... Passamos em frente a uma loja e eu fiz a avaliação visual da segurança do lugar, alinhada a decisão politica de ser cliente daquele estabelecimento. Num impulso e vontade de sermos iguais a toda família, lembrei a data comemorativa do domingo e Lucas se animou na empreitada de presentear o pai, ele merece! Achei vaga para estacionar pertinho, coisa rara! A compra segundo minha experiência na loja, não demoraria 15 minutos. Combinamos comprar um barbeador, dada a necessidade do item pelo pai. Daria tudo certo, apostei!

Entramos na loja, só tinha fila para pagamentos. Máscara, temperatura medida e em menos de cinco minutos já havíamos escolhido nosso item. Na hora de pagar, CPF informado, na loja é tudo digital e rápido, a vendedora me tentou com um cartão da loja, visto que eu já era cliente do site e gostava da comodidade de receber em casa sem frete e outras regalias. Ela disse que era rapidinho, o cartão saia na hora e aquela compra já ia para esse cartão. Fomos ao guiche: Demorou e eu questionei, a resposta foi que o sistema caiu... depois demora para digitais... e eu olhava para Lucas já impaciente, a máscara já tinha sumido do rosto e eu me agoniei... Alguns minutos depois veio o cartão e o contrato para assinar. A atendente veio me dando as explicações sobre os vinte e quatro reais mensais, quando eu perguntei se tinha que pagar alguma coisa pois não fui informada dessa parte sobre o cartão. “Então senhora paga só dez” e começou a falar de vantagens que eu já não estava ouvindo mais, pois Lucas começou a se automutilar agredindo as orelhas e eu sabia como isso ia terminar. Pedi que cancelasse o cartão e por favor passasse no meu de sempre pois eu não podia mais esperar. Eu estava apavorada! A atendente chamou a vendedora para me dar explicações sobre o cartão, eu falei que não tinha mais tempo para ouvir, que cancelasse por favor, e passasse logo minha compra que meu filho precisava ir para casa ele estava entrando em surto. A vendedora me olhou como se nada tivesse acontecendo, tranquilamente passou minha compra perguntou se queria dividir eu disse que sim, só depois ela me disse que par dividir tinha juros. Pedi que não dividisse então. Lucas começou a fazer os barulhos esquisitos, a agitação corporal e a intensificar as mãos no rosto. Eu pedi pressa de vido à situação dele. A vendedora me disse pronto, agora é só a senhora pegar aquela fila. Eu olhei para a fila e tinha umas  seis pessoas. Não ia dar! Perguntei se tinha que pegar a fila mesmo pois eu já estava há muito tempo na loja e meu filho está passando mal. Ela olhou para mim e disse sim, se a senhora quiser levar o produto precisa pegar a fila.

Resultado: Meu marido ficou sem presente e Lucas frustrado. A gente não teria tempo para aquela fila. Eu peguei na mão dele e voltamos para casa. Acabou o sonho de ser igual!

O mundo precisa mudar muito para que as famílias atípicas possam se sentir acolhidas. Meu sentimento é de tristeza em saber o quando ainda temos que caminhar para que esse tipo de fato não se repita. Falta conhecimento e muita empatia nas pessoas... As empresas precisam investir na formação humana de suas equipes de olho na diversidade de seus clientes.

Não culpo a vendedora, nem a gerente, nem lhes quero mal! Quero apenas que possam refletir sobre o que ocorreu e o que poderia ter ocorrido, para que nenhuma família precise passar pelo que passei e nem sentir o que estou sentindo.

Eu tenho um único cartão, detesto um monte de cartões! Eu só queria fazer Lucas se sentir bem naquela manhã, comemorar agindo como os demais garotos da idade comprando algo para o pai, que há dias como eu não dorme preocupado com o que esta acontecendo com Lucas que tem deficiência intelectual e começou a apresentar um quadro psicótico...

Para que eu cai nessa cilada! O que eu tinha que fazer em loja na insegurança que estava? Eu sou toda culpa!

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Dos acordos desfeitos dessa vida, imprevisível vida!

Eu tinha feito um acordo com a vida sobre a deficiência de meu filho: Que eu não buscaria porquês, apenas faria o que fosse possível para que ele tivesse uma vida feliz, para que ele pudesse sonhar e realizar esses sonhos. Jurei fazer o que estivesse ao meu alcance para diminuir a distância entre Lucas e as possibilidades que ele pudesse ter na vida, contornar ou eliminar barreiras, bater de frente com pessoas e padrões, gritar quando fosse preciso e ser branda na medida necessária para que todo o conhecimento que eu acumulei sobre deficiência intelectual, aprendizagem e inclusão social fossem importantes para o filho que eu pude escolher, assim como é importante para o filho de tantas mães como eu.

Mas é engraçado como coisas que aparentemente são modinhas e frases feitas se tornam realidades da metade em diante do dia... acredito que é do Veríssimo a frase “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”

A vida mudou as perguntas para todas as respostas que eu tinha e a essa altura eu tenho que percorrer uns caminhos tão complexos e eu estou tão cansada!... Em menos de um dia o meu filho sumiu das minhas mãos, eu não sei como falar com ele, eu não sei como olhar para ele, eu tenho feito um esforço enorme para quebrar uma barreira entre meu filho e um estranho que habita o corpo dele, que me causa medo e me revolta! 

Eu queria de volta meu doce menino, queria dormir em paz sem temer pela vida dele e pela nossa! Já são tantas noites mal dormidas e não sonhadas! Eu queria não fechar os olhos e imaginar os olhos dele tão parados e tão frios, presos e indolentes, perdidos num tempo e espaço que eu tenho me esforçado para adentrar e fazer com que os olhos dele sigam meus olhos, as mãos dele segurem as minhas mãos e fujamos de lá, de volta para a nossa vida planejada, tão cheia de sorrisos, corridas, medalhas, troféus e viagens...

Eu estou com saudades e espero que meu filho volte! Eu não coloquei a doença mental no meu acordo de vida, mas eu vou ter que fazer novos acordos! Eu só preciso juntar os cacos e as forças para ajudar Lucas nessa batalha cruel que hora ele enfrenta com tanta vontade de ficar bem! 

Que eu não seja a fraqueja no meio do caminho!


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Recomeçando esse Blog! Repensando as perdas que a vida nos impõe...


É assustadora a rapidez com a qual se deixa de amar o que ou quem, há pouco se amava sem limites!
Uma palavra mal dita, escrita ou não dita, um olhar não compreendido... Por qualquer motivo banal, o amor acaba em relações em que não se admite desdizer, redizer...  Enfim não se dialoga. O falado ou escrito não é passível de emendas, não cabem contextos ou explicações! Sentir diferente do esperado tornou-se inaceitável!  O diálogo perdeu o sentido!
São tempos de amores frágeis, baratos e descartáveis!
Triste mundo onde o perdão não tem valor! Onde quem não aceita perdão, não se enxerga na condição do necessitado em outro tempo, carente da mesma compreensão de sentimento, momento...
O orgulho e a vaidade em cena limitam o olhar mais uma vez, ouvir mais uma vez, sentir mais uma vez e não perder tantas pessoas!
Toda perda humana é grande perda e toda mágoa humana sangra insistentemente nos que não perderam a sensibilidade! (K. Leite, findando 2019)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Onde mora o diabo?

Dia desses, assistindo a um documentário sobre religiões ouvi a seguinte e sábia armação de um Pai de Santo: “O diabo não está nas religiões e sim no caráter das pessoas”. Comecei então as minhas elucubrações sobre nosso caráter e as atitudes residem, o tal diabo. Diabo, essa figura mitológica que tanta gente ainda confunde com um ser de chifre, com ferrão e que fede a enxofre.
Recobrando as reflexões penso:
Que o diabo mora em nossa Omissão. Ele nos conquista se aproveitando de nossa covardia. Muitas vezes é mais fácil fingir que se está fazendo alguma coisa por quem precisa, fingir boas intenções para na prática, esconder nossa indiferença. Fingir que trabalha, fingir que sofre, fingir que se importa. Então...
O diabo mora em nossa Dissimulação, nas mentiras que inventamos na tentativa de fazer as pazes com a própria consciência, na mentira, na falsidade...
Ele mora em nossa Parcialidade e injustiça, pois nos tornamos experts em defender o que nos é conveniente e não o que é justo. Alguém estar errado ou não, depende do grau de amizade ou inimizade que nutrimos pela pessoa. Somo coniventes com os erros das pessoas das quais precisamos ou precisaremos de um favor qualquer dia...
O diabo mora em nosso Orgulho. Aquele sentimento destrutivo que não nos permite admitir falhas, confessar e pedir perdão aos que praticamos covardias e injustiças. É melhor fingir o erro do outro. A nossa vaidade é tanta, que não nos imaginamos praticando o perdão inclusive conosco. Dessa forma o diabo está na  Arrogância, toda vez que nos achamos superiormente acima de qualquer outro ser humano. Nos enganamos em achar que tudo é possível, licito e fácil, quando nossa Prepotência turva a consciência do humano frágil que somos, cuja vida pode ser ceifada há qualquer breve momento, sem explicações que convençam a lógica.
Está em nossa Inveja, esse misto de ódio e desgosto por não ter o que o outro tem, desejar inclusive que ele não tenha. Quando invejamos cobiçamos, queremos doentiamente de ter o que o outro tem ou mesmo ser o outro. Como isso não é possível, pois somos únicos, inconscientemente, tentamos destruir o que tencionamos usurpar do outro, desqualificando, desdenhando “para compar”...
O diabo está ainda na Ignorância, que gera o Preconceito. Mas afinal, pouca gente vai achar que sabe pouco. Para o ser ignorante vale aquela máxima que vez por outra circula nas redes, que diz mais ou menos assim: “O problema do mundo é que as pessoas sábias acham que pouco ou nada sabem, enquanto os idiotas julgam saber demais... Os idiotas despezam a experiência acumulada, recriam os valores, distorcem as verdades, minimizam o saber alheio em detrimento do seu.
Por fim, o diabo mora em nosso Pessimismo, toda vez que deixamos de acreditar que o ser humano pode mudar, traçar e percorrer caminhos simplificados de vida. Quando lhe falta a fé, outro sentimento ocupa esse espaço e você se permite demonizar para dar conta desse vazio. A Descrença, a falta de fé é a grande causadora do desleixo para com a vida. Do fazer por fazer, viver por viver...

O diabo mora em mim e em você, assim como reside também o Deus da Vida. Cabe a nós a decisão de qual dos dois vai sobressair com mais frequencia até um dia, podermos finalmente libertos, optar por um.