segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Sociedade Inclusiva deve garantir o direito de fazer escolhas...


Em 1999 conclui meu curso de Especialização em Educação Especial pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Meu curso teve ênfase na educação chamada inclusiva, tive professores e professoras maravilhosos que me fizeram sonhar com uma “sociedade mais justa e igualitária”... Ouvi essa frase se repetir exaustivamente ao longo desses mais de doze anos de estudos, pesquisas, contestações!... Sempre pensei na inclusão dos meus alunos da APAE, dos filhos de meus amigos e dos alunos dos professores que me chegavam aflitos em busca de receitas de inclusão, com seus olhos questionadores, ávidos de uma solução imediata para casos diversos, em lugares diversos e realidades não menos diversas.

Após longos discursos persuasivos, na maioria das vezes eu conseguia convencer minhas platéias de que se houvesse esforço incessante, amor, vontade, união, estudo e planejamento, seria possível realizar o sonho da inclusão escolar de qualquer que fosse o aluno, com qualquer que fosse sua diferença: a deficiência intelectual, física ou sensorial. Preguei, por exemplo, que se o mesmo status que é dado ao aprendizado do inglês, fosse dado ao aprendizado da LIBRAS, os limites que há entre ouvintes e surdos seriam dirimidos mais facilmente, que as escolas precisam ensinar o respeito mútuo da diferença, questionar valores humanos, ética e moral, minimizando a criação dos “refugos humanos” descritos por Bauman (2001), em seu livro Modernidade Líquida. Compartilhei a dor e as frustrações dos professores que me ouviam, seus sentimentos de impotência diante de sistemas educativos e administrativos que não lhes permitia ousar arriscar, para debater com base em reais experiências. Apesar disso, sei que estimulei e contribui para muitas experiências bem sucedidas em prol da educação inclusiva.

Nesses anos de “militância” pela causa, um pecado que nunca cometi foi desvalorizar uma Escola Especial, principalmente por que trabalho em uma escola especial e sei o que esta escola representa dentro da comunidade em que nasci e até hoje resido. Sei que em muitas realidades a Escola Especial é a única alternativa de atendimento digno existente. Não sou teórica da Educação, eu vivo a educação e sei que no universo educativo são muitas as críticas feitas às instituições como APAE, APADA, INES, INSTITUTO DE CEGOS e outras especializadas. Chamam-nas de segregadoras, anti-escolas, não-escolas, depósitos e toda sorte de adjetivos que alimentam a falsa idéia de modernidade pedagógica vendida por consultores muito bem pagos pelo nosso sistema educacional, seguindo os modismos da vez, a exemplo do famoso Construtivismo...

Relembrando um pouco da história da humanidade, pensemos o que existia para as pessoas atípicas antes de ser fundada a primeira escola especial... Não existia quase nada a não ser piedade e a promessa de portas abertas no céu para quem se dispusesse a cuidar desses “mal amados pela sorte”! As escolas especiais tiraram da invisibilidade as pessoas com deficiências e lutaram pela garantia de seus direitos básicos. Progrediram em sua forma de atender o aluno e a família, no mesmo ritmo ou mais aceleradamente que as demais escolas, pois lá se reconhece a sutileza do aprender e a fragilidade de quem concebe e pare um filho deficiente. Pensa-se no filho, mas também na família que ele tem e na importância dessa família para seu desenvolvimento efetivo. Uma escola especial não significa necessariamente uma escola segregadora, assim como uma escola regular não está isenta de práticas excludentes.

Não desqualifico as escolas normais, já trabalhei em muito boas escolas e conheço dezenas de ótimos professores comprometidos com seus fazeres, comprometidos com a formação intelectual e também humana de seus alunos. O que não concordo é com injustiças, falsas bandeiras, que só servem para enriquecer alguns mestres e doutores na arte do convencimento vazio, isento da experiência, mas que agradam os mentores das atuais políticas públicas que economizam nos investimentos na educação, mas não se despojam de seus gordos salários. A fórmula de inclusão vendida à custa da depreciação das Escolas Especiais tem que ser vista de um ponto de vista mais crítico por todos os educadores. As demandas sociais têm que se sobrepor às leis e, o ato de incluir deve respeitar o direito de escolha das famílias.

Podemos escolher se queremos ser católicos, protestantes ou espíritas, se optamos pelo partido A, B, ou C. Num mesmo dia podemos mudar de opinião várias vezes, então porque não podemos também escolher o tipo de escola que queremos para os nossos filhos?

Há pouco me tornei mãe, mãe de uma criança com necessidades especiais. Ironia do destino? Escolha. Começo a sentir a necessidade de ter esse direito. Apesar de tudo que sei sobre inclusão e de todas as orientações que fiz a esse respeito, decidi que meu filho vai permanecer na Escola Especial em virtude de que todas as tentativas que fiz de dar-lhe uma educação na escola Regular foram mal sucedidas. Conheço pais satisfeitos com suas tentativas, ou mesmo alguns que se enganam e fingem esta satisfação com medo de parecerem retrógrados, desumanos ou maus pais. Eu, porém, não estou satisfeita. Acredito que não basta que a escola diga que meu filho é bem vindo e aceito lá. Não bastam sorrisos amarelos, fingindo modernidade, humanidade e “responsabilidade social”. A escola tem que se mobilizar para a educação desse aluno. Uma criança precisa que se esforcem para o seu aprendizado, precisa que ao pensar em sua existência, se planeje para ele, precisa ter suas capacidades colocadas à frente de suas limitações. Precisa que a escola e seus professores o reconheça como criança, diferente como todas as crianças o são e, que não sejam negligenciadas suas necessidades, sob pena de à luz da negligência forjarem-se mentes deturpadas e agressivas pelo bullying e outros males modernos que a escola ainda não sabe lidar.

O professor contemporâneo já não pode mais se satisfazer em ensinar para alguns poucos privilegiados. Segundo Batista “aprender é uma ação humana criativa, individual heterogênea e regulada pelo sujeito da aprendizagem, independentemente de sua condição intelectual ser mais ou ser menos privilegiada” (BATISTA, 2006). Cabe a escola compreender a deficiência enquanto característica de grupos, que embora diferentes não são inferiores. Que as idéias desses grupos, suas opiniões, níveis diferenciados de compreensão da realidade são as pistas que precisamos para entender e valorizar a diversidade em sala de aula seja esta sala de aula Regular ou Especial, pois a própria LDB permite essa possibilidade em seu artigo 58.

Encarar a deficiência como condição e não um estado é um processo civilizatório desencadeado a mais de duas décadas pelo advento da Inclusão e que carece ainda ser amplamente desvendado nas discussões de cada grupo humano. O imaginário social da deficiência, principalmente a intelectual precisa ser reconstruído a partir das reflexões desencadeadas na escola, pelos educadores e todos os que permeiam o universo do ambiente escola, antes de nos lançarmos em experiências desastrosas e traumáticas, nas quais os que mais sofrem são os que mais precisam ser acolhidos.

O futuro já não é o que era, diz um graffitto numa rua de Buenos Aires. O fu­turo prometido pela modernidade não tem, de fato, futuro. (...) perante isso só há uma saída: reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades, cartografado por alternativas radicais às que deixaram de o ser. Com isso as­sume-se que estamos a entrar numa fase de crise paradigmática e, portanto, de transição entre paradigmas epistemológicos, sociais, políticos e culturais. (BOAVENTURA SANTOS, 1997)

Deixemos a vida fluir naturalmente, a seleção do que é essencial sempre foi e sempre será natural. Não precisamos da agressividade de determinados discursos. Não precisamos da rigidez da ditadura da moda pedagógica da vez. Precisamos ter direito às nossas escolhas. Precisamos poder errar e acertar e, por fim, precisamos respeitar a vida como ela se manifesta e preservar nosso sagrado direito de escolher.