sábado, 8 de agosto de 2020

Das dores que a gente permite que nos causem...

Depois de 15 dias meu filho dormiu a primeira noite parcialmente bem, e amanha é dia dos pais. Todo animado ele me acompanhou até a cidade para entrega de uns documentos e na volta para casa o comercio é nosso caminho... Passamos em frente a uma loja e eu fiz a avaliação visual da segurança do lugar, alinhada a decisão politica de ser cliente daquele estabelecimento. Num impulso e vontade de sermos iguais a toda família, lembrei a data comemorativa do domingo e Lucas se animou na empreitada de presentear o pai, ele merece! Achei vaga para estacionar pertinho, coisa rara! A compra segundo minha experiência na loja, não demoraria 15 minutos. Combinamos comprar um barbeador, dada a necessidade do item pelo pai. Daria tudo certo, apostei!

Entramos na loja, só tinha fila para pagamentos. Máscara, temperatura medida e em menos de cinco minutos já havíamos escolhido nosso item. Na hora de pagar, CPF informado, na loja é tudo digital e rápido, a vendedora me tentou com um cartão da loja, visto que eu já era cliente do site e gostava da comodidade de receber em casa sem frete e outras regalias. Ela disse que era rapidinho, o cartão saia na hora e aquela compra já ia para esse cartão. Fomos ao guiche: Demorou e eu questionei, a resposta foi que o sistema caiu... depois demora para digitais... e eu olhava para Lucas já impaciente, a máscara já tinha sumido do rosto e eu me agoniei... Alguns minutos depois veio o cartão e o contrato para assinar. A atendente veio me dando as explicações sobre os vinte e quatro reais mensais, quando eu perguntei se tinha que pagar alguma coisa pois não fui informada dessa parte sobre o cartão. “Então senhora paga só dez” e começou a falar de vantagens que eu já não estava ouvindo mais, pois Lucas começou a se automutilar agredindo as orelhas e eu sabia como isso ia terminar. Pedi que cancelasse o cartão e por favor passasse no meu de sempre pois eu não podia mais esperar. Eu estava apavorada! A atendente chamou a vendedora para me dar explicações sobre o cartão, eu falei que não tinha mais tempo para ouvir, que cancelasse por favor, e passasse logo minha compra que meu filho precisava ir para casa ele estava entrando em surto. A vendedora me olhou como se nada tivesse acontecendo, tranquilamente passou minha compra perguntou se queria dividir eu disse que sim, só depois ela me disse que par dividir tinha juros. Pedi que não dividisse então. Lucas começou a fazer os barulhos esquisitos, a agitação corporal e a intensificar as mãos no rosto. Eu pedi pressa de vido à situação dele. A vendedora me disse pronto, agora é só a senhora pegar aquela fila. Eu olhei para a fila e tinha umas  seis pessoas. Não ia dar! Perguntei se tinha que pegar a fila mesmo pois eu já estava há muito tempo na loja e meu filho está passando mal. Ela olhou para mim e disse sim, se a senhora quiser levar o produto precisa pegar a fila.

Resultado: Meu marido ficou sem presente e Lucas frustrado. A gente não teria tempo para aquela fila. Eu peguei na mão dele e voltamos para casa. Acabou o sonho de ser igual!

O mundo precisa mudar muito para que as famílias atípicas possam se sentir acolhidas. Meu sentimento é de tristeza em saber o quando ainda temos que caminhar para que esse tipo de fato não se repita. Falta conhecimento e muita empatia nas pessoas... As empresas precisam investir na formação humana de suas equipes de olho na diversidade de seus clientes.

Não culpo a vendedora, nem a gerente, nem lhes quero mal! Quero apenas que possam refletir sobre o que ocorreu e o que poderia ter ocorrido, para que nenhuma família precise passar pelo que passei e nem sentir o que estou sentindo.

Eu tenho um único cartão, detesto um monte de cartões! Eu só queria fazer Lucas se sentir bem naquela manhã, comemorar agindo como os demais garotos da idade comprando algo para o pai, que há dias como eu não dorme preocupado com o que esta acontecendo com Lucas que tem deficiência intelectual e começou a apresentar um quadro psicótico...

Para que eu cai nessa cilada! O que eu tinha que fazer em loja na insegurança que estava? Eu sou toda culpa!

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Dos acordos desfeitos dessa vida, imprevisível vida!

Eu tinha feito um acordo com a vida sobre a deficiência de meu filho: Que eu não buscaria porquês, apenas faria o que fosse possível para que ele tivesse uma vida feliz, para que ele pudesse sonhar e realizar esses sonhos. Jurei fazer o que estivesse ao meu alcance para diminuir a distância entre Lucas e as possibilidades que ele pudesse ter na vida, contornar ou eliminar barreiras, bater de frente com pessoas e padrões, gritar quando fosse preciso e ser branda na medida necessária para que todo o conhecimento que eu acumulei sobre deficiência intelectual, aprendizagem e inclusão social fossem importantes para o filho que eu pude escolher, assim como é importante para o filho de tantas mães como eu.

Mas é engraçado como coisas que aparentemente são modinhas e frases feitas se tornam realidades da metade em diante do dia... acredito que é do Veríssimo a frase “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”

A vida mudou as perguntas para todas as respostas que eu tinha e a essa altura eu tenho que percorrer uns caminhos tão complexos e eu estou tão cansada!... Em menos de um dia o meu filho sumiu das minhas mãos, eu não sei como falar com ele, eu não sei como olhar para ele, eu tenho feito um esforço enorme para quebrar uma barreira entre meu filho e um estranho que habita o corpo dele, que me causa medo e me revolta! 

Eu queria de volta meu doce menino, queria dormir em paz sem temer pela vida dele e pela nossa! Já são tantas noites mal dormidas e não sonhadas! Eu queria não fechar os olhos e imaginar os olhos dele tão parados e tão frios, presos e indolentes, perdidos num tempo e espaço que eu tenho me esforçado para adentrar e fazer com que os olhos dele sigam meus olhos, as mãos dele segurem as minhas mãos e fujamos de lá, de volta para a nossa vida planejada, tão cheia de sorrisos, corridas, medalhas, troféus e viagens...

Eu estou com saudades e espero que meu filho volte! Eu não coloquei a doença mental no meu acordo de vida, mas eu vou ter que fazer novos acordos! Eu só preciso juntar os cacos e as forças para ajudar Lucas nessa batalha cruel que hora ele enfrenta com tanta vontade de ficar bem! 

Que eu não seja a fraqueja no meio do caminho!